segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Pseudo-Dionísio e Kierkegaard

Em sua Teologia Mística, Pseudo – Dionísio estabelece um movimento do ser, do positivo ao absoluto. Um projeto posteriormente assumido por Kierkegaard. Nesse aspecto, procuramos estabelecer algumas relações entre ambos e determinar aspectos de divergências. Contudo, partindo do pressuposto de que ambos, cada um a sua maneira, podem ser adequados a tradição neoplatônica. Tal projeto é especificadamente claro em livros como O Conceito de Ironia (útil, poético e irônico), Temor e Tremor (pagão, herói da resignação e cavaleiro da fé) e O Desespero Humano (Não querer ser a si mesmo, querer ser a si mesmo e fé) que correspondem especificadamente ao positivo, negativo e absoluto pseudo-dionisiano.

Segundo Pseudo-Dionísio, os mistérios cristãos em sua positividade, ou seja, como uma teologia, são descritos como simples, absolutos e imutáveis. Esses mistérios, porém, são fundados numa negatividade, denominados por ele trevas divina. É como olhar o sol de frente, onde o esforço necessário para ver acaba por prejudicar ainda mais a visão. Diante do absoluto, tudo o mais é relativo, inclusive o homem diante de um poder infinitamente maior.

As trevas divina corresponde a negação da possibilidade de um conhecimento positivo sobre o divino. Sendo uma impossibilidade, se aproxima de uma forma contemporânea de agnosticismo. A questão portanto, se estabelece como contestação da nossa forma de produção de conhecimento, isto é, de representação da realidade. De maneira que, se nossa visão positiva sobre o absoluto é infinitamente limitada, tudo o mais o será, pois apenas deduzimos o relativo a partir de um absoluto.
O que significa, porém, um conhecimento negativo do absoluto? Uma mística. A mística é portanto, uma relação negativa com o sagrado, e por isso, ainda limitada. Para pseudo-dionísio, o sagrado (o absoluto) corresponde a uma alteridade radical, além de toda positividade e negatividade. Nesse caso, não pode ser deduzida a partir de uma redução entre causas e efeitos, que somente pode ser estabelecida dentro de certa contingência, o que significa negar a própria idéia de absoluto. Além disso, um ser contingente não pode saber o que um ser contingente é (pois está inserido no fenômeno), quanto mais um ser absoluto (que ainda significa restringir o absoluto a certa contingência). Não é possível conhecer um fenômeno sendo parte dele (isso significa conhece-lo limitadamente) contudo, de igual maneira, não é possível conhecer um fenômeno pela diferença (o ser não pode saber o que é um não ser).

Diante do absoluto tudo é relativo, e por isso, tudo o que é relativo, diante do absoluto é equivalente, isto é, toda positividade e toda negatividade. O relativo não pode ser aplicado ao absoluto pois é radicalmente diferente dele. Nesse aspecto a única categoria disponível ao absoluto é o paradoxo.

Prosseguindo, portanto, em nossa ascensão, afirmamos que a Causa não é alma, nem inteligência, não possui imaginação, nem opinião, nem palavra, nem pensamento, não é palavra ou pensamento; não é objeto de discurso, nem de pensamento; não é número, nem ordem, nem grandeza, nem pequeneza, nem igualdade, nem desigualdade, nem semelhança, nem dessemelhança; não está parada, nem se move, não repousa, não possui uma força, nem é uma força; não é luz, não vive e não é vida; não é essência, nem eternidade, nem tempo; não admite sequer um contato inteligível; não é ciência, nem verdade, nem reino, nem sabedoria, não é uno, nem unidade, nem divindade, nem bondade; não é tampouco espírito, segundo sabemos; não é filiação, nem paternidade, nem quaisquer das coisas que podem ser conhecidas por nós ou por qualquer outro ser; não é nenhum dos não-seres e nenhum dos seres, nem mesmo os seres conhecem-na enquanto existe; a Causa tampouco conhece os seres enquanto seres. Não é nome, razão ou conhecimento, não é treva, nem luz; erro ou verdade; não se lhe aplicam afirmações e negações; quando negamos ou afirmamos os seres que lhe são posteriores, não a afirmamos, nem a negamos. A Causa perfeita e unitária de todas as coisas está acima de toda afirmação, e a excelência daquele, que está absolutamente separado de tudo, e acima de tudo supera toda negação (DIONÍSIO. Pseudo. Pags. 35-36).

O relativo, porém (toda positividade e negatividade) compreende o terreno da liberdade. Corresponde portanto, um modo de vida. Talvez, apenas um estágio.


Um comentário:

  1. http://www.cardiff.ac.uk/share/research/centres/clarc/jlarc/contents/Lankila%20Corpus%20Areopagiticum.pdf

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