O
capitalismo digere tudo, inclusive nosso interesse por justiça, felicidade e
liberdade. É abstrato demais pensarmos esses valores sem uma conotação
monetária. É desligá-los da vida concreta e projetá-los na vida ideal das
utopias celestes. O interesse por lucro não pode ser impedido por qualquer
forma de sectarismo de ordem étnica, sexual ou racial, mas tão somente pela
possibilidade de renda, e isto significa, um necessário aumento da mão de obra,
de oportunidade de trabalho e igualdade nos salários. É nesse aspecto que a
luta por direitos civis de minorias, torna-se em parte, uma luta sempre
ambígua, onde a necessária exigência por justiça, caminha ao lado (pacificamente
ou não) do interesse pelo lucro dos grandes mercados. O que não se pode
esquecer, é que toda exclusão política determina uma exclusão econômica e
quanto mais centralizado um governo maior é o número de excluídos política e
economicamente, o que pode significar a maior parte da população, composta por
grupos heterogêneos entre si, identificados apenas pela ausência de direitos.
Mas
há o sentido inverso: a descentralização radical de um governo determina a sua
extinção, sua falência por intermédio da inutilidade. E isto significa, a
inclusão de toda humanidade num mesmo princípio de justiça não coercitivo,
logo, nascido da própria vontade e razão autônoma de cada indivíduo. Mas se é
autônoma, é possível ser comum? Uma questão fundamental entre o movimento
anarquista.
Entre
um termo e outro, estamos nós. Historicamente educados que todo direito é uma
invenção, e por isso, uma conquista apenas exercida pela luta. Que o direito é
do mais forte, e que o mais forte não precisa ser necessariamente quem está no
poder. Justamente por ser maior o número de excluídos do que de incluídos,
torna-se evidente a necessária participação popular na progressiva
descentralização da máquina governamental, e isto significa, concessão de
direitos. Mas direitos pra que? Trabalho, estudo, consumo. O direito que nos
torna eternos produtores e consumidores. Que tem o capital como instrumento de
legitimidade. É nesse aspecto que toda conquista de direitos torna-se uma
abertura de mercado, determinando a sobrevivência do capitalismo.
Se
desligarmos o capital do direito, o próprio direito deixa de ter sentido. O
Estado se centraliza numa elite que faz o que bem entende, e o povo fica
ausente de ter um mínimo de recurso que não seja o da violência justificada.
Por outro lado, a violência justificada e generalizada, se insurgiria contra um
Estado desse tipo, e o grande perigo seria a manifestação de movimentos
messiânicos entre o povo, que ao assumir o poder, poderia ser tão despótico
quanto aqueles que o precederam, a revolução francesa e a revolução comunista
de outubro de 1917 são bons exemplos disso.
Se
o fim do direito é justificação do capital, é preciso levar em conta quem o
justifica e quem o contesta. Por outro lado, uma posição maniqueísta é
totalmente arbitrária. Não se pode colocar em lados opostos Estado e Mercado
(capital).
Em
busca de justiça social, multiplicaram-se os partidos.
Do
ponto de político, a princípio, polarizando a humanidade, de forma maniqueísta
em dois grandes grupos: na revolução francesa entre girondinos e jacobinos, no Manifesto Comunista entre burguesia e
proletariado, na guerra fria entre capitalistas e socialistas. Simone Weil
acrescenta a essa dualidade um terceiro partido: os burocratas. David
Priestland em seu livro Uma Nova História
do Poder propõe uma nova classificação por intermédio de “castas”:
comerciantes (aristocratas), guerreiros (militares) e os sábios (líderes
religiosos) que se alternam no poder. Por fim, Guy Standing em seu livro Precariado: a nova classe perigosa,
tende a desmitificar o proletariado hoje como uma classe coesa, facilmente
identificável como simplesmente aquela que vende sua mão de obra.
Com
a fragmentação das relações de poder, definições como direita e esquerda
tornam-se cada vez mais complexas e com o tempo, tendem a se tornar
insustentáveis, muito embora, ainda hoje, seja nítido as posições tomadas por
ambas sobre a maneira de aplicação de justiça social. Esta contudo, se
estabelece como um problema conceitual, e não radicado na estrutura onde tais
concepções são originárias, a saber, na relação entre consciência e engajamento
político, cuja origem é possível remontar a polêmica entre hegelianos e
anti-hegelianos com respeito a esse problema.
Em
suma, tendo em vista o esfacelamento das polaridades políticas através da
multiplicação dos partidos e das ideologias de promoção de justiça social, a
teoria distancia-se cada vez mais da prática. Perdendo seu fundamento ético, o
engajamento político torna-se cada vez mais insustentável. Porém, não se trata
de hipocrisia. Deve-se levar em conta que a adequação entre teoria e ação
política apenas é possível, isto é, coerente, numa plataforma moral maniqueísta,
cuja origem remonta às éticas religiosas. Todo engajamento é por natureza
religioso, cuja ascese constitui uma utopia de justiça.
Acredito que um problema intrínseco ao
exercício democrático consiste na maneira como exalta os ânimos políticos. Por
se tratar, supostamente, de um governo popular, é o governo onde qualquer um
está em condições elegíveis para assumir cargos públicos. Por se tratar de
qualquer um, as convicções políticas de todos, fundamentalmente precisam ser
conhecidas e debatidas. Exatamente por conta do risco e perigo que alguém com
uma posição política oposta a sua tem de assumir o poder. Surgindo assim as
guerras partidárias entre o próprio povo. Mito. Na prática as coisas não se dão
bem assim. Mas o povo, animado, continua querendo matar um ao outro, querendo
convencer o outro de que está do lado errado.