quarta-feira, 25 de março de 2015

Utilidade da Coerência em Política



O capitalismo digere tudo, inclusive nosso interesse por justiça, felicidade e liberdade. É abstrato demais pensarmos esses valores sem uma conotação monetária. É desligá-los da vida concreta e projetá-los na vida ideal das utopias celestes. O interesse por lucro não pode ser impedido por qualquer forma de sectarismo de ordem étnica, sexual ou racial, mas tão somente pela possibilidade de renda, e isto significa, um necessário aumento da mão de obra, de oportunidade de trabalho e igualdade nos salários. É nesse aspecto que a luta por direitos civis de minorias, torna-se em parte, uma luta sempre ambígua, onde a necessária exigência por justiça, caminha ao lado (pacificamente ou não) do interesse pelo lucro dos grandes mercados. O que não se pode esquecer, é que toda exclusão política determina uma exclusão econômica e quanto mais centralizado um governo maior é o número de excluídos política e economicamente, o que pode significar a maior parte da população, composta por grupos heterogêneos entre si, identificados apenas pela ausência de direitos.

Mas há o sentido inverso: a descentralização radical de um governo determina a sua extinção, sua falência por intermédio da inutilidade. E isto significa, a inclusão de toda humanidade num mesmo princípio de justiça não coercitivo, logo, nascido da própria vontade e razão autônoma de cada indivíduo. Mas se é autônoma, é possível ser comum? Uma questão fundamental entre o movimento anarquista.

Entre um termo e outro, estamos nós. Historicamente educados que todo direito é uma invenção, e por isso, uma conquista apenas exercida pela luta. Que o direito é do mais forte, e que o mais forte não precisa ser necessariamente quem está no poder. Justamente por ser maior o número de excluídos do que de incluídos, torna-se evidente a necessária participação popular na progressiva descentralização da máquina governamental, e isto significa, concessão de direitos. Mas direitos pra que? Trabalho, estudo, consumo. O direito que nos torna eternos produtores e consumidores. Que tem o capital como instrumento de legitimidade. É nesse aspecto que toda conquista de direitos torna-se uma abertura de mercado, determinando a sobrevivência do capitalismo.  

Se desligarmos o capital do direito, o próprio direito deixa de ter sentido. O Estado se centraliza numa elite que faz o que bem entende, e o povo fica ausente de ter um mínimo de recurso que não seja o da violência justificada. Por outro lado, a violência justificada e generalizada, se insurgiria contra um Estado desse tipo, e o grande perigo seria a manifestação de movimentos messiânicos entre o povo, que ao assumir o poder, poderia ser tão despótico quanto aqueles que o precederam, a revolução francesa e a revolução comunista de outubro de 1917 são bons exemplos disso.
Se o fim do direito é justificação do capital, é preciso levar em conta quem o justifica e quem o contesta. Por outro lado, uma posição maniqueísta é totalmente arbitrária. Não se pode colocar em lados opostos Estado e Mercado (capital).

Em busca de justiça social, multiplicaram-se os partidos.

Do ponto de político, a princípio, polarizando a humanidade, de forma maniqueísta em dois grandes grupos: na revolução francesa entre girondinos e jacobinos, no Manifesto Comunista entre burguesia e proletariado, na guerra fria entre capitalistas e socialistas. Simone Weil acrescenta a essa dualidade um terceiro partido: os burocratas. David Priestland em seu livro Uma Nova História do Poder propõe uma nova classificação por intermédio de “castas”: comerciantes (aristocratas), guerreiros (militares) e os sábios (líderes religiosos) que se alternam no poder. Por fim, Guy Standing em seu livro Precariado: a nova classe perigosa, tende a desmitificar o proletariado hoje como uma classe coesa, facilmente identificável como simplesmente aquela que vende sua mão de obra.  

Com a fragmentação das relações de poder, definições como direita e esquerda tornam-se cada vez mais complexas e com o tempo, tendem a se tornar insustentáveis, muito embora, ainda hoje, seja nítido as posições tomadas por ambas sobre a maneira de aplicação de justiça social. Esta contudo, se estabelece como um problema conceitual, e não radicado na estrutura onde tais concepções são originárias, a saber, na relação entre consciência e engajamento político, cuja origem é possível remontar a polêmica entre hegelianos e anti-hegelianos com respeito a esse problema. 

Em suma, tendo em vista o esfacelamento das polaridades políticas através da multiplicação dos partidos e das ideologias de promoção de justiça social, a teoria distancia-se cada vez mais da prática. Perdendo seu fundamento ético, o engajamento político torna-se cada vez mais insustentável. Porém, não se trata de hipocrisia. Deve-se levar em conta que a adequação entre teoria e ação política apenas é possível, isto é, coerente, numa plataforma moral maniqueísta, cuja origem remonta às éticas religiosas. Todo engajamento é por natureza religioso, cuja ascese constitui uma utopia de justiça.  

Acredito que um problema intrínseco ao exercício democrático consiste na maneira como exalta os ânimos políticos. Por se tratar, supostamente, de um governo popular, é o governo onde qualquer um está em condições elegíveis para assumir cargos públicos. Por se tratar de qualquer um, as convicções políticas de todos, fundamentalmente precisam ser conhecidas e debatidas. Exatamente por conta do risco e perigo que alguém com uma posição política oposta a sua tem de assumir o poder. Surgindo assim as guerras partidárias entre o próprio povo. Mito. Na prática as coisas não se dão bem assim. Mas o povo, animado, continua querendo matar um ao outro, querendo convencer o outro de que está do lado errado.

terça-feira, 3 de março de 2015

Sobre a Bíblia


Acredito que o problema da bíblia, para muita gente, consiste em sua aplicação política: as cruzes nas repartições públicas e os juramentos públicos com a mão na bíblia são bons exemplos disso. Isso gera um mal estar social tanto pela bíblia, quanto pelas fés que a professam, pois indica privilégios de uma parte parte da população em detrimento de outra. Se pensarmos numa sociedade hegemonicamente monoteísta (como já foi o caso de muitos povos por ai) a aplicação política da bíblia não seria um problema em si, mas sim sua interpretação (veja, a Reforma foi um produto evidente disto). Mas não, não vivemos mais numa sociedade religiosamente hegemônica: sendo assim, a interpretação da bíblia deixou de ser um problema, para ela mesma ser o problema (socialmente falando).

Outra coisa importante: acredito que implicação mitológica do texto seja a que menos pese para sua credibilidade (ou ausência dela). Podemos deixar de ser religiosos, mas mitológicos isso é uma coisa que nenhum homem, de nenhuma época poderá deixar de ser. Até mesmo a ciência, ao mudar de paradigma, demonstra o seu caráter mitológico. O real é ambiguo por natureza, isto porque estamos inseridos nele, sendo assim, toda interpretação sobre o real será parcial e condicionada a fatores sociais, tradição, e etc. A bíblia não está ausente disso, assim como a constituição e os livros de história.

Sendo assim, devo concluir: sou totalmente a favor da bíblia enquanto livro de fé e moral particular, mas não de fé e moral públicas. Por fim, quero fazer um pequeno comentário ao post em si: evidenciar as séries de violências presentes nos textos bíblicos para desmerecê-lo é burrice (desculpe a expressão): Nietzsche no Anticristo já criticava isso por uma questão simples: Os hebreus eram um povo muito insignificante seja em número, seja em aparato militar, comparado aos povos que eles supostamente destruíram. Mas a literatura faz isso: serve para gerar um passado de glória a um povo que não tem glória nenhuma. Então, esse negócio de genocídio, estupro, matança de inocente, era uma forma que um povo semi- nômade encontrou para estar em pé de igualdade com as civilizações com quem interagia e assim garantir respeito e conseguir sobreviver. Por sim, na antiguidade você podia ser um merda, mas se sua família tivesse história, jamais iriam tocar em você.

Extraído de um diálogo na internet.

Nietzsche




Estranho.
Todo mundo virou nietszcheniano.
Querem derrubar a moral 
e Transvalorizar os valores. 
Vai pensando um pouco nisso. 
E você acabará obcecado,
Tendo no final das contas, apenas o amor.
Origem de todas as suas forças. 
Abraçado a um cavalo. impedindo-o de ser chicoteado. 
Talvez seja isso o que "filósofo do martelo" queria.


A meu ver, me parece que em Nietzsche a temática da imanência radical do amor seja muito forte. Amor radical pela finitude. E nesse aspecto, tudo o que é transitório não pode ter um sentido (entendendo o termo como algo ideal, eterno, platônico, estabelecido). É preciso portanto, reconfigurar a ideia de finitude, a partir do que ela mesma é, ou seja, nada, que é a única coisa que temos. É preciso amar esse nada que nós somos. E por ser a única coisa que temos, é preciso amar esse nada radicalmente. E o que isso significa? Experimentar cada instante da vida lentamente e de forma intensa (intensidade está ligada a lentidão e não o inverso), tal como se experimentássemos um sabor novo e agradável ao paladar. Como se desejássemos a eternidade daquilo que sabemos que vai acabar.

A vida para Nietzsche é autoafirmação. Em todos os sentidos. Viver é autoafirmar-se. É nesse sentido, porém, que a vida também não pode separar-se do conflito. Apenas aquele que vive, luta. Isso torna o filósofo do martelo avesso a democracia. A igualdade é uma condição imaginária, ideal, e portanto, corrupta. Não se pode, portanto, falar em igualdade entre ricos e pobres, homens e mulheres, até porque não se pode falar nem ao menos em igualdade entre um indivíduo e outro. O valor está na força ou na fraqueza. Há homens "fortes" e homens "fracos". Mulheres "fortes" e mulheres "fracas". É por isso que Nietzsche beira a ambiguidade ao falar sobre política, gêneros, pessoas. Porque não aceita a noção de direitos para uma classe, mas apenas para indivíduos, isto porque, criar uma classe significa inserir os fracos em privilégios sem méritos. É um aristocrata.