sábado, 23 de maio de 2015

Escola do Cristianismo (O Convite - parte 3)


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VINDE A MIM TODOS OS QUE ESTÃO ATRIBULADOS E SOBRECARREGADOS E EU OS ALIVIAREI



“Vinde aqui!” Pois ele supõe que os que estão atribulados e sobrecarregados sentem a carga muito pesada, o trabalho muito pesado, e que diante dessa situação estão perplexos e almejosos; um olha por toda parte ao redor, a fim de enxergar um socorro, o outro inclina os olhos para os céus, porque não encontrou nenhum alívio, um terceiro olha de hora em hora para cima, pois talvez viria do céu - Estão todos buscando! – Por isso disse ele “Vinde aqui!”, pois ele, ele que convida, sabe que precisamente pertence ao verdadeiro sofrimento o ausentar-se para longe de si mesmo e inquietar-se em quieto desconsolo, sem ter o ânimo de confiar em nada, e muito menos ter a confiança de esperar ajuda. Ai! Não somente aquele indivíduo demoníaco foi possuído por um espírito mudo; todo padecimento que não gera emudecimento ao que sofre, significa muito pouco, tão pouco como o amor que nos faz silencioso; os doentes cuja língua  solta esparrama aos quatro ventos sua história de sofrimento, não estão nem atribulados nem sobrecarregados. Vede, por isso o que convida não se aventura em esperar que os atribulados e sobrecarregados venham a ele, entretanto, os chama amorosamente; e entretanto não serviria de nada toda sua presteza em ajudar se não dissera aquela palavra da mesma forma como disse num primeiro momento, pois enquanto ele grita esta palavra (“Vinde a mim”), já está vindo a eles. Oh humana compaixão!, talvez sejas as vezes respeitável domínio de si, talvez também as vezes sejas verdadeira e íntima compaixão, quando renuncias a perguntar a aquele que suspeitas que vive e padece um sofrimento oculto; entretanto, quantas vezes não se deve isto a uma certa prudência, que não deseja intrometer-se excessivamente? Oh humana compaixão! Quantas vezes era só curiosidade e não compaixão, quando ousavas intrometer-se no segredo de um doente, e com que frequência não sentiste como uma moléstia, quase como um castigo de tua curiosidade, que ele aceitara o convite e veio a tí! Entretanto, aquele que disse esta palavra libertadora “Vinde!”, não engana a si mesmo ao dizer esta palavra, ou tampouco enganará a ti, se vens a ele para encontrar descanso deixando nele tua carga. Ele segue o impulso do seu coração ao dizer esta palavra, e seu coração segue a palavra – se tú segues a palavra, ela então te acompanhará, novamente retornando para o seu coração; é uma consequência, um segue o outro – Oh se tú somente quisesse seguir o convite! “Vinde aqui!” Pois ele supõe que os que estão atribulados e sobrecarregados estão muito cansados e forçados, próximos da inanição, que como o letargo, voltou a ouvir que existe um consolo. Ai! Ele sabe que é demasiadamente certo que não há nenhum consolo e nenhuma ajuda, se não se busca junto dele, e por isso tem que chamá-los: “Vinde!” .

“Vinde aqui!” Já que toda sociedade tem certamente um símbolo ou outra coisa pelo qual distingue a quem pertence a ela; e quando a mulher está adornada de certa forma peculiar se sabe que vai ao baile: vinde aqui todos os que estão atribulados e sobrecarregados. “Vinde aqui” Tú não necessitas levar o sinal distintivo no exterior e sensível; vem somente com a cabeça ungida e o rosto limpo, quando meramente no interior estais atribulados e sobrecarregados.


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“Vinde aqui!” Não te deseja parado ou tampouco meditando, pensa que por cada momento que estás parado depois de ouvir o convite, ouvirás no momento seguinte sua chamada mais débil e que assim se te afasta, por mais que permaneças perto. “Vinde aqui!”. Oh! Por muito cansado e fatigado que estejas de trabalhar, ou de longe, longe, até agora inútil caminhar em busca de ajuda e redenção; onde estejas em situação de não poder dar uma passo a mais, nem sequer se sustém já por um instante sem que desmaies: Oh!dá um passo somente, aqui há descanso! “Vinde aqui!” – Ai! Se existisse apenas um , que fosse tão desgraçado que não pudesse vir - oh! Um suspiro basta; pois se suspiras por ele, também isto significa vir a ele.  

Escola do Cristianismo (O Convite - Parte 2)



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VINDE A MIM TODOS OS QUE ESTÃO ATRIBULADOS E SOBRECARREGADOS E EU OS ALIVIAREI


Que grande multidão unida, que quase infinita variação de convidados! Pois um homem, um homem insignificante, pode perfeitamente ensaiar e representar-se algumas variantes peculiares. Ele que convida deve convidar a todos, onde cada um em particular ou como indivíduo.

Desta maneira se coloca a caminho do convite, pelos caminhos reais, pelos caminhos solitários, e pelos solitários, sim, onde há um caminho tão solitário, onde somente um, apenas um, e nada fora dele o conhece; que somente há um rastro, o rastro do desgraçado que andou por este caminho com sua desgraça, noutro caso não há nenhum rastro, nenhum rastro reconhecível, para que se pudesse voltar por este caminho: também fazia este caminho desejando o convite; ela mesma encontra fácil e seguro o caminho de volta, facílimo, quando volta consigo ao fugitivo fazia o convite. “Vinde a mim, vinde todos vós, também tú e tú e tú, o mais solitário de todos os fugitivos”!

Assim caminha o convite por todas as partes, e assim permanece plantada em todas as encruzilhadas e chama. E como a chamada da trombeta bélica se dirige as quatro direções da rosa, assim ressoa o convite por todo âmbito, onde existe uma encruzilhada, e não com um som indeterminado – porque então, quem poderia vir? – senão com a autenticidade da eternidade.

O convite está plantado na encruzilhada, ali onde o sofrimento temporal e terrestre instala sua cruz e chama. Venha, todos os pobres e miseráveis, vós a quem há que afirmar na pobreza que tens cansados como escravos, não para assegurá-los um futuro sem cuidados senão um futuro cansado. Oh amarga contradição! Ter de fadigar-se para assegurar-se daquele pequeno, que geme e que desejaria estar adiante. Vós mesmos os depreciados e postergados, por cuja existência nada, absolutamente nada, se preocupa, nem sequer como de um animal doméstico, que possui mais valor! Vós mesmos os enfermos, coxos, surdos, cegos, paralíticos, vinde! Os que estão no leito de dor, sim, venham vocês também; pois o convite se atreve também a chamar aos que estão na cama para que venham! Vós os leprosos! Porque o convite faz saltar todas as diferenças para congregar a todos ; ele deseja reparar o dano da diferença, quando esta alcança um posto como dominador sobre milhões de seres, em possessão de todos os bens e riqueza, entretanto, que ao outro o arrasta para o deserto. E porque? (Oh crueldade!) por que (Oh cruel conclusão humana!) porque és um desgraçado, indescritivelmente desgraçado. Mas por quê? Por que ele necessita de auxílio, e mais do que isso, de compaixão; mas por quê? Por que a humana comiseração é uma invenção maligna, que precisamente é cruel ali onde deveria resplandecer compassiva, e somente ali é compassiva onde verdadeiramente não tem lugar a compaixão.

Vós mesmos os enfermos de coração, vós que somente na dor aprendestes que o homem, diferente de uma fera tem um coração; e o que significa sofrer do coração e o que quer dizer que o médico pode ter razão ao diagnosticar que alguém está são do coração, e, no entanto está enfermo do coração? Vós mesmos que enganou a traição de quem fez alvo de zombar da humana compaixão (porque a compaixão humana raramente se deixa esperar); todos vós prejudicados, e injustamente tratados, insultados e maltratados; todos vós nobres, os que merecidamente, como todo mundo os espeta a cara recebe o salário da ingratidão, porque fostes, todavia, tão néscios para permanecer nobres, tão imbecis para permanecer amáveis, desinteressados e fiéis? Todos vós, obras da traição e do engano, da calúnia e da inveja, aos que a infâmia vomitou e a covardia deixou na estaca, seja que estejais sacrificadas no lugar de outro e na solidão, depois de ter buscado um lugar para morrer ou que estejais oprimidos num tumulto de gente, onde nada se pergunta que direito tens ou que injustiça padeceis, nada, onde os dói ou como os pode doer, entretanto que a multidão bestialmente gorda os esmaga contra o povo: vinde!

O convite está parado na encruzilhada, ali onde a morte separa a morte da vida. Vinde! Todos vós os entristecidos, vós os que em vão estais atribulados e sobrecarregados! Pois certamente há descanso na tumba; entretanto, estar sentado junto a tumba, ou estar em pé diante da tumba, ou ir visitar uma tumba, tudo isso não é certamente o mesmo que estar na tumba; e ler para si mesmo suas próprias produções que se tem de memória, ler a inscrição que eu mesmo coloquei e entendo melhor que ninguém; quem é esse que aqui está enterrado? Não é o mesmo que estar enterrado eu mesmo. Na tumba está o descanso, entretanto, junto da tumba não há descanso algum\; o que quer dizer: até aqui e não mais, e assim se pode voltar para casa. Entretanto, por muitas vezes que dia a dia retornas com teus pensamentos ou retornas com teus próprios pés a esta tumba, não poderás mover um pé sequer do lugar; e isto constitui muito e não é nenhum sinal de descanso. Vinde, portanto, aqui está o caminho por onde se pode ir adiante, aqui está o descaso diante da tumba, o descanso dos sofrimentos da perdida ou o descanso nos sofrimentos na perdida: junto daquele que eternamente reúne os separados, com mais força que a natureza une a pais e filhos, filhos e pais – ah! Eles foram seguramente separados! -; mas intimamente que o sacerdote une o homem e a mulher – Ah! O divórcio teve já lugar! Mais indissoluvelmente que o laço de amizade une os amigos – ah! Este já se rompeu uma vez - a separação atravessou afanosa por toda a parte, gerando dor e inquietação; entretanto, aqui há descanso! Vinde também vós cuja residência os está designada à parte das tumbas, considerados como defuntos pela comunidade humana, porque não foram achados tendo falta de nada, nem lamentados, nem enterrados, ou sem dúvida, mortos, isto é, que não pertenceis nem a vida nem a morte; ah! Vós para quem se fechou cruelmente a comunidade humana, e para quem não se abriu, misericordiosamente nenhuma tumba: vinde também, aqui há descanso, aqui há vida!

O convite está parado junto a encruzilhada, ali onde o caminho do pecado se arranca do cerco da paciência. Oh vinde! Vós estais tão perto dele; um passo somente por outro caminho, e estareis tão distantes dele. Talvez não almejeis, todavia o descanso, não entendeis verdadeiramente o que isso significa; entretanto, segui sem demora o convite; porque ele que os convida pode livrá-los do que é tão pesado e perigoso, para ser livre dele e para que livres permaneçais junto dele, que é o redentor de tudo, também da inocência, pois onde foi possível que em alguma parte se dera uma inocência completamente pura, porque não haveria esta de necessitar também de um redentor, que redimida, a possa defender do mal? O convite está parado na encruzilhada; ali onde o caminho do pecado adentra mais no pecado. Vinde todos vós os desvalidos e perdidos, qualquer que seja vosso extravio e pecado, tal que aos olhos dos homens seja desculpável, e talvez, sem dúvida, o mais desculpável, ou seja, um que todo mundo conheça, ou que oculto, é apenas conhecido no céu; já haveis encontrado perdão no mundo, onde não há descanso em vosso interior, ou não haveis encontrado perdão porque não o buscais, ou o buscais de maneira vã: oh! Retornai, vinde aqui!; não os espante a dificuldade do retorno, por maior que seja; não temais o penoso caminhar do regresso, por penoso que também seja o caminho da redenção, entretanto, que o pecado, com uma marcha alada e a crescente velocidade, conduz para a frente – ou para baixo tão rápido como quando um cavalo desacostumado do arreio não pode com todas as forças, ser parado pelo cocheiro, que o precipita ao abismo; não desespereis em nenhum momento de poder voltar, porque o Deus da paciência tem paciência para perdoar, e então um pecador deveria normalmente ter paciência para humilhar-se . Não, nada temais e não desespereis. Aquele que diz “Vinde” está com vocês no caminho , dele vem a ajuda e o perdão através do caminho do retorno que conduz a ele, e junto dele há descanso.      

Vinde todos, todos, todos, vocês, junto a ele há descanso; e ele não coloca nenhuma dificuldade. Ele apenas abre seus braços. E ele não te questiona nada de antemão, tú que sofres. Ai! Isto fazem os homens íntegros quando desejam ajudar alguém: verdade que és culpado de tua desgraça, que não tem nada que envergonhar-se? É tão apressada essa maneira humana de julgar conforme o exterior, segundo o resultado. Quando um é cortado é outro feito, tens um exterior desequilibrado, então se julga: ergo ele é um homem mau, quando se é um desgraçado a quem tudo vai mal no mundo, de modo que não chegou a ser nada, ou também tudo lhe foi de costas, então se julga: ergo, ele é um homem mau. Ah! É um prazer cruel refinadamente premeditado, este de querer sentir sua própria retidão, precisamente diante de quem sofre, interpretando seu sofrimento como um castigo de Deus, de sorte que mais de uma vez se tem escrúpulos para ajudá-lo. Entretanto, ele não te perguntará desta maneira, ele não será teu benfeitor de maneira tão desapiedada. E se tens consciência de ser um pecador! Ele não te perguntará sobre isso, não desejará quebrar a cana envergada, mas sim te levantará, se confias nele; ele não te colocará simplesmente à frente por meio do contraste; entretanto, se tem fora de si, de sorte a fazer teu pecado parecer mais horrível, ele oferecerá refúgio para junto de si, e da mesma forma que estejas oculto nele, ocultará ele os teus pecados. Pois ele é amigo dos pecadores. Quando se trata de um pecador, não ficará simplesmente parado, para abrir seus braços e dizer: “Vinde!”; não, e então permanece em pé e espera como esperava o pai do filho pródigo, ou nem sequer permanece em pé e espera, mas se põe a caminho para buscar-te, como busca o pastor a ovelha perdida, como a mulher a dracma perdida. Ele se coloca à caminho, ou na verdade, não se coloca, pois já tem caminho infinitamente mais que nenhum pastor e nenhuma mulher. Ele tem caminhado cabalmente o caminho infinitamente extenso que vai de ser Deus a tornar-se homem. O que caminhou para buscar os pecadores!     

domingo, 17 de maio de 2015

Escola do Cristianismo (O Convite - Parte 1)


O Convite

VINDE A MIM TODOS OS QUE ESTÃO ATRIBULADOS E SOBRECARREGADOS E EU OS ALIVIAREI




Oh maravilha! Maravilhoso que aquele que traz o auxilio seja precisamente quem diga: venha. Que amor! já é amoroso - quando se pode ajudar - ajudar ao que roga o auxílio, quanto mais oferecer auxílio. E oferece-lo a todos! Sim, e cabalmente a todos os que não podem ser ajudados novamente. Oferecê-lo não, proclamá-lo aos quatro ventos, como se o auxiliador mesmo necessitasse de ajuda, como se ele que deseja e pode ajudar a todos, fosse ele mesmo em certo sentido um necessitado, que sente esta necessidade, e no entanto, necessita ajudar, necessita dos que sofrem para ajudá-lo. 

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Vem! Desde sempre não há nada de admirável  quando alguém que está em perigo, talvez, em eminente  e momentâneo perigo clama: vem! Ou tampouco nada há de maravilhoso em que um curandeiro grite: "vem! Eu curo todas as enfermidades" - Ah! pois no caso do curandeiro é muito certo o ditado de que é o médico que necessita dos enfermos:" Venham todos os que podem pagar caro pela cura" - ou em todo o caso aos tratamentos -; aqui há tratamento para quem queira - que pode pagá-lo - Vem aqui, vém!". 

Mas outra coisa acontece quando ao que pode ajudar tem de ser buscado; e quando se lhe tem encontrado é talvez razoável que se estabeleça diálogo com ele, e quando se tem chegado a dizer-lhe palavras, rogando-lhe talvez por muito tempo; e quando se lhe tem rogado por muito tempo também coloca em movimento com muito cuidado, como o que se faz suplicando; e as vezes, precisamente não deseja cobrar nada ou renuncia o salário, é apenas uma expressão do elogio ilimitado que se instala. Pelo contrário, aquele que se entregou, se entrega também agora, e é o mesmo que busca aos que possuem necessidade de auxílio, é o mesmo que dá voltas ao redor clamando quase de joelhos, dizendo: "vem cá!". Ele, o único que pode ajudar, e ajudar com o único necessário, que cura da única enfermidade verdadeiramente mortal. Ele não espera que alguém venha a ele,  vem por sua própria iniciativa sem ser chamado - já que é ele que chama e que lhe tem oferecido ajuda - e que ajuda! Certamente aquele sábio ancião da antiguidade tinha razão que lhe sobrava - Como a maioria, ao fazer o contrário, possui sem razão, quando não se elogiava a si mesmo ou ao seu ensino quando em outro sentido demonstrava com nobre arrogância a incompatibilidade desses valores. Entretanto não estavam tão amorosamente preocupados em se dirigir a alguém, a estar ao lado dele, e lhe seguramente - não sei como dizê-lo agora, se: - e apesar de... , ou porque não estava plenamente certo do que sua ajuda poderia significar; posto que quanto mais certo este único que sua ajuda é única, maior motivo tem, falando humanamente, para elogiá-la e quanto menos certo está maior motivo para fazer algo apesar de tudo, oferecendo sua possível ajuda com máxima presteza. Mas quem se chama a si mesmo de Salvador e sabe que o é, diz preocupado: vem!  


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"Venha todos!" - Que maravilha! Já que alguém, em definitivo não pode ajudar talvez nem sequer somente um,  caso tenha a boca cheia de palavras vazias e convide a todos, não tem, desde sempre - dado o que os homens realmente são -, nada de maravilhoso. Mas quando se está plenamente seguro de que se pode ajudar, e por outra parte, se está disposto a ajudar, e disposto a empregar todo o seu tempo desta maneira e a conta de qualquer sacrifício: neste caso é possível fazer uma exceção:  a de escolher. Por muito disposto a que se está, não se deseja contudo ajudar a qualquer um, não deseja entregar-se desta maneira. Mas aquele, o único que pode ajudar de verdade e em verdade pode ajudar a todos, é portanto o único que de verdade pode convidar a todos. Aquele que não põe absolutamente nenhuma condição, sendo também que disse também estas palavras que desde o princípio do mundo lhe estavam como que destinadas: "venham todos!". Oh sacrifício humano! inserido ali onde é mais belo e nobre, onde te admiramos maximamente, é preciso, todavia uma oblação a mais, a saber: que sacrifiques toda determinação do eu, de sorte que na disposição a socorrer já não se dê a mínima predileção. Que amor! Não fazer desta maneira nenhuma apreciação de si mesmo,  diminuir-se completamente, de tal modo que o que ajuda esteja completamente cego para ver ao que é socorrido, conhecendo com exatidão infinita que tem diante de si alguém que sofre, entretanto, que seja; querer tão incondicionalmente socorrer a todos - Ah! tão distante de todos nisso!

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"Vinde a mim!" - Maravilha! Certamente a humana compaixão faz também solícita algo pelos que estão atribulados e sobrecarregados; se dá de comer aos famintos, se veste aos nús, se entregam doces presentes, se fundam doces instituições, e se a compaixão é mais íntima se visita com gosto aos atribulados e sobrecarregados. Entretanto, convidá-los para que venham a minha casa, isso sei que não, pois então haveria que modificar toda a instalação da casa e o próprio curso da vida. Não se pode conciliar o viver em abundância ou simplesmente na satisfação e na alegria, e estar vivendo e habitando todos os dias e nas diárias circunstâncias com os pobres e desgraçados, com aqueles que estão atribulados e sobrecarregados. Para poder convidá-los se tem que viver do mesmo modo que eles, pobre como os pobressissemos, considerado insignificante como o mais humilde do povo, familiarizado com o cuidado e a tribulação da vida, completamente imerso nas mesmas circunstâncias daqueles a quem convida, que são os atribulados e sobrecarregados. Quando se deseja convidar ao que sofre, não se deve mudar as circunstâncias próprias para igualá-las com aquele que sofre, tampouco aos do que sofrem para comparar com as próprias; pois noutro caso a diferença seria muito maior em virtude do contraste. E se pretende convidar a todos os que sofrem (pois apenas um determina uma exceção, mudando sua situação) ele somente pode mentir de uma maneira, e dizer, mudando a própria situação com a sua, se é que ele já não estava disposto assim desde o princípio, como no caso daquele que disse: "Vinde a mim todos os que estão atribulados e sobrecarregados". Disse ele, e os que viviam com ele vieram e vêem que não se dá em seu modo de vida o mínimo que o contradiga. Sua vida expressa isso com a calada e sincera eloquência dos feitos, caso jamais houvesse pronunciado essas palavras, sua vida expressa: vinde a mim todos os que estão atribulados e sobrecarregados. Ele mantêm sua palavra, ele é sua palavra, ele é o que diz, também neste sentido é ele a Palavra.

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" Todos os que estão atribulados e sobrecarregados". - Que maravilha! A única coisa que lhe preocupa é que pudesse haver um só atribulado ou sobrecarregado que não ouviu este convite; que pudesse vir uma multidão, isso ele não teme. Oh! sempre há lugar num grande coração! e onde haveria um coração tão grande como o seu? Como cada indivíduo queira entender o convite, se o deixa ele a cada indivíduo; ele tem sua consciência livre, ele tem convidado a todos os que estão atribulados e sobrecarregados. 

Entretanto, o que significa estar atribulado e sobrecarregado? Porque não o esclarece um pouco mais a fim de que se possa saber com precisão a quem se dirige? porque é tão breve nas palavras? Oh tú mesquinho, ele é tão breve nas palavras para não ser mesquinho; tú estreito de coração, ele é tão breve nas palavras para não ser estreito de coração!; nisto consiste cabalmente o amor (já que o amor é para todos) e evitar que nem mesmo um somente pudesse angustiar-se fantasiando em sua mente acerca de se estaria ele também entre os convidados. E que pudesse exigir uma determinação mais precisa, não deveria ser um egoísta, fazendo de conta que essa determinação se acomodava especialmente a ele como anel no dedo, sem pensar que quanto mais destas determinações, mais próximas se dizem, deveria dar-se um maior número de indivíduos para quem seria mais indeterminado o feito de estar convidado. Oh homem! Como vê apenas o teu próprio egoísmo, como é tão mau, porque ele é bom! O convite para todos abre os braços daquele que convida, e assim permanece. Ele como um símbolo eterno; tão rápido como aparecem as determinações aproximativas - que talvez provocaram no indivíduo outra espécie de segurança- se transformou o aspecto daquele que convida, se precipita como uma nuvem mutável sobre ele. 


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"Que eu os aliviarei" - Que maravilha! Então aquelas palavras: "Vinde a mim", seguramente devem entender-se da seguinte maneira: permanecei junto a mim, eu sou o descanso, ou permanecer comigo é descanso. Não acontece agora como sempre nos demais casos, que o auxiliador que disse: "vem cá!" tem que prosseguir uma continuação:"já os podeis caminhar" muitos comunicam a cada um onde pode encontrar a ajuda que necessita, onde cresce a erva soporífera que lhe pode curar, ou onde está o lugar tranquilo onde possa descaçar do trabalho, ou onde se fala do ditoso lugar do mundo em que não se estaria sobrecarregado. Não, ele abre os seus braços e convida a todos, todos os que estão cansados e sobrecarregados vieram a ele! Então apertaria a todos contra o peito dizendo-lhes: "permanecei agora comigo, que estar comigo é descanso. O auxiliador é o auxílio. Oh maravilhoso! Ele convida a todos e deseja ajudar a todos, em sua maneira de tratar aos enfermos cabalmente como referida a cada um em particular, como se tivesse em cada enfermo, que ele tem, somente este único enfermo. De outro modo sucede com o médico que tem que multiplica-se entre seus multiplos enfermos que, não obstante, por muitos que fossem, não seriam nunca todos os enfermos. O médico prescreve o tratamento, diz o que se deve fazer, como proceder, e caminha para visitar outro doente, ou lhe deixa ir, caso tenha sido o enfermo a visitá-lo. O médico não pode estar sentado o dia todo à cabeceira do enfermo, ou muito menos pode ter a todos os enfermos em sua própria casa ou sem dificuldades, estar junto a apenas um deles sem descuidar dos outros. Pelo qual, neste caso, o auxiliador e o auxílio não são uma e mesma coisa. O medicamento que prescreve o médico o tem o enfermo todo o dia consigo para empregá-lo constantemente, eventualmente o médico lhe observa, ou é ele quem uma vez entre cem vê o médico. Pois quando o auxiliador é o auxílio, então tem que permanecer certamente o dia inteiro junto ao enfermo, ou o enfermo junto a ele - Oh maravolhoso, que justamente esse auxiliador é ele que convida a todos!

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Escola do Cristianismo ( Invocação )


Primeira Parte

Vinde a Mim Todos os que Estão Atribulados e Sobrecarregados, Que eu os Aliviarei

Para Despertamento e Interiorização


Procul, o procul
est profani.




Invocação

Certamente se tem feito dezoito séculos desde que Jesus Cristo andou pela terra; entretanto, este não é de nenhuma maneira um sucesso como os demais sucessos, os quais, depois que passados, entram para a história, e então, depois de muito tempo chegam ao ouvido. Não, sua presença aqui na terra jamais é algo passado, e muito menos é algo cada vez mais distante, acontecido – no caso de que haja fé na terra, pois se não há, nesse mesmíssimo instante também a fazer muito tempo que ele viveu – pelo contrário, assim como se dá um crente, este deve enquanto tal – de outro modo nunca teria se convertido em crente – haver sido sempre e permanecer enquanto tal contemporâneo com a sua presença como o foram aqueles contemporâneos; esta contemporaneidade é a condição da fé, e dito com maior exatidão, é ela mesma.


Senhor Jesus Cristo, concede-nos que nós mesmos também sejamos contemporâneos contigo, que te vejamos em tua autêntica forma, e no contorno real, como quando passaste pelo mundo; não na figura em que se tem deformado uma representação vazia e que não diz nada, ou irreflexivo-fantástica ou histórico-verborrágica, que não é a figura da humilhação que te contempla o crente, nem pode ser de modo algum a de majestade, que nada te tem visto, todavia, que possamos ver como é e era e será até sua volta em majestade, como o sinal de escândalo e objeto de fé, o homem insignificante e sem dúvida alguma, o salvador e redentor do gênero humano, que por amor desceu à terra para buscar os que se haviam perdido, para padecer e morrer, que não obstante, entristecido – ai! A cada passo que deste sobre a terra, cada vez que chamaste os sobrecarregados, sempre que estendeste tua mão para fazer um sinal ou um milagre, e sempre que sem mover sequer a mão padeceste indefeso a oposição dos homens – tiveste que repetir sem cessar: Bem aventurado ao que não se escandaliza de mim. Que te vejamos assim, e que assim não nos escandalizemos de ti!  

Escola do Cristianismo (Prólogo)


Prólogo do Editor

Neste escrito, originalmente do ano de 1848, a exigência: ser cristão requer ao pseudônimo sua elevação ao supremo grau de idealidade.

Entretanto, a exigência deve ser decididamente afirmada, exposta, entendida; não deve, cristãmente, diminuir nada da exigência, ou tampouco ser silenciada – através de concessões ou benefícios ao que preocupa ao mesmo.

A exigência deve ser entendida: e entendendo o dito como dito exclusivamente a mim mesmo – que deveria aprender não somente a buscar amparo na “graça”, mas também a recorrer a ela no emprego que faço dessa “graça”.

S. K.