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VINDE A MIM TODOS OS QUE
ESTÃO ATRIBULADOS E SOBRECARREGADOS E EU OS ALIVIAREI
Que grande multidão unida, que quase infinita variação
de convidados! Pois um homem, um homem insignificante, pode perfeitamente
ensaiar e representar-se algumas variantes peculiares. Ele que convida deve convidar
a todos, onde cada um em particular ou como indivíduo.
Desta maneira se coloca a caminho do convite, pelos
caminhos reais, pelos caminhos solitários, e pelos solitários, sim, onde há um
caminho tão solitário, onde somente um, apenas um, e nada fora dele o conhece;
que somente há um rastro, o rastro do desgraçado que andou por este caminho com
sua desgraça, noutro caso não há nenhum rastro, nenhum rastro reconhecível,
para que se pudesse voltar por este caminho: também fazia este caminho
desejando o convite; ela mesma encontra fácil e seguro o caminho de volta,
facílimo, quando volta consigo ao fugitivo fazia o convite. “Vinde a mim, vinde
todos vós, também tú e tú e tú, o mais solitário de todos os fugitivos”!
Assim caminha o convite por todas as partes, e assim
permanece plantada em todas as encruzilhadas e chama. E como a chamada da
trombeta bélica se dirige as quatro direções da rosa, assim ressoa o convite
por todo âmbito, onde existe uma encruzilhada, e não com um som indeterminado –
porque então, quem poderia vir? – senão com a autenticidade da eternidade.
O convite está plantado na encruzilhada, ali onde o
sofrimento temporal e terrestre instala sua cruz e chama. Venha, todos os
pobres e miseráveis, vós a quem há que afirmar na pobreza que tens cansados
como escravos, não para assegurá-los um futuro sem cuidados senão um futuro
cansado. Oh amarga contradição! Ter de fadigar-se para assegurar-se daquele pequeno,
que geme e que desejaria estar adiante. Vós mesmos os depreciados e postergados,
por cuja existência nada, absolutamente nada, se preocupa, nem sequer como de
um animal doméstico, que possui mais valor! Vós mesmos os enfermos, coxos,
surdos, cegos, paralíticos, vinde! Os que estão no leito de dor, sim, venham
vocês também; pois o convite se atreve também a chamar aos que estão na cama
para que venham! Vós os leprosos! Porque o convite faz saltar todas as
diferenças para congregar a todos ; ele deseja reparar o dano da diferença,
quando esta alcança um posto como dominador sobre milhões de seres, em
possessão de todos os bens e riqueza, entretanto, que ao outro o arrasta para o
deserto. E porque? (Oh crueldade!) por que (Oh cruel conclusão humana!) porque
és um desgraçado, indescritivelmente desgraçado. Mas por quê? Por que ele
necessita de auxílio, e mais do que isso, de compaixão; mas por quê? Por que a
humana comiseração é uma invenção maligna, que precisamente é cruel ali onde
deveria resplandecer compassiva, e somente ali é compassiva onde
verdadeiramente não tem lugar a compaixão.
Vós mesmos os enfermos de coração, vós que somente na
dor aprendestes que o homem, diferente de uma fera tem um coração; e o que
significa sofrer do coração e o que quer dizer que o médico pode ter razão ao
diagnosticar que alguém está são do coração, e, no entanto está enfermo do
coração? Vós mesmos que enganou a traição de quem fez alvo de zombar da humana
compaixão (porque a compaixão humana raramente se deixa esperar); todos vós
prejudicados, e injustamente tratados, insultados e maltratados; todos vós
nobres, os que merecidamente, como todo mundo os espeta a cara recebe o salário
da ingratidão, porque fostes, todavia, tão néscios para permanecer nobres, tão
imbecis para permanecer amáveis, desinteressados e fiéis? Todos vós, obras da
traição e do engano, da calúnia e da inveja, aos que a infâmia vomitou e a
covardia deixou na estaca, seja que estejais sacrificadas no lugar de outro e na solidão, depois de ter buscado um lugar
para morrer ou que estejais oprimidos num tumulto de gente, onde nada se
pergunta que direito tens ou que injustiça padeceis, nada, onde os dói ou como
os pode doer, entretanto que a multidão bestialmente gorda os esmaga contra o
povo: vinde!
O convite está parado na encruzilhada, ali onde a
morte separa a morte da vida. Vinde! Todos vós os entristecidos, vós os que em
vão estais atribulados e sobrecarregados! Pois certamente há descanso na tumba;
entretanto, estar sentado junto a tumba, ou estar em pé diante da tumba, ou ir
visitar uma tumba, tudo isso não é certamente o mesmo que estar na tumba; e ler
para si mesmo suas próprias produções que se tem de memória, ler a inscrição
que eu mesmo coloquei e entendo melhor que ninguém; quem é esse que aqui está
enterrado? Não é o mesmo que estar enterrado eu mesmo. Na tumba está o
descanso, entretanto, junto da tumba não há descanso algum\; o que quer dizer:
até aqui e não mais, e assim se pode voltar para casa. Entretanto, por muitas
vezes que dia a dia retornas com teus pensamentos ou retornas com teus próprios
pés a esta tumba, não poderás mover um pé sequer do lugar; e isto constitui
muito e não é nenhum sinal de descanso. Vinde, portanto, aqui está o caminho
por onde se pode ir adiante, aqui está o descaso diante da tumba, o descanso
dos sofrimentos da perdida ou o descanso nos sofrimentos na perdida: junto
daquele que eternamente reúne os separados, com mais força que a natureza une a
pais e filhos, filhos e pais – ah! Eles foram seguramente separados! -; mas
intimamente que o sacerdote une o homem e a mulher – Ah! O divórcio teve já
lugar! Mais indissoluvelmente que o laço de amizade une os amigos – ah! Este já
se rompeu uma vez - a separação atravessou afanosa por toda a parte, gerando
dor e inquietação; entretanto, aqui há descanso! Vinde também vós cuja
residência os está designada à parte das tumbas, considerados como defuntos
pela comunidade humana, porque não foram achados tendo falta de nada, nem
lamentados, nem enterrados, ou sem dúvida, mortos, isto é, que não pertenceis
nem a vida nem a morte; ah! Vós para quem se fechou cruelmente a comunidade
humana, e para quem não se abriu, misericordiosamente nenhuma tumba: vinde
também, aqui há descanso, aqui há vida!
O convite está parado junto a encruzilhada, ali onde o
caminho do pecado se arranca do cerco da paciência. Oh vinde! Vós estais tão
perto dele; um passo somente por outro caminho, e estareis tão distantes dele. Talvez
não almejeis, todavia o descanso, não entendeis verdadeiramente o que isso
significa; entretanto, segui sem demora o convite; porque ele que os convida
pode livrá-los do que é tão pesado e perigoso, para ser livre dele e para que
livres permaneçais junto dele, que é o redentor de tudo, também da inocência,
pois onde foi possível que em alguma parte se dera uma inocência completamente
pura, porque não haveria esta de necessitar também de um redentor, que
redimida, a possa defender do mal? O convite está parado na encruzilhada; ali
onde o caminho do pecado adentra mais no pecado. Vinde todos vós os desvalidos
e perdidos, qualquer que seja vosso extravio e pecado, tal que aos olhos dos homens
seja desculpável, e talvez, sem dúvida, o mais desculpável, ou seja, um que
todo mundo conheça, ou que oculto, é apenas conhecido no céu; já haveis
encontrado perdão no mundo, onde não há descanso em vosso interior, ou não
haveis encontrado perdão porque não o buscais, ou o buscais de maneira vã: oh!
Retornai, vinde aqui!; não os espante a dificuldade do retorno, por maior que
seja; não temais o penoso caminhar do regresso, por penoso que também seja o
caminho da redenção, entretanto, que o pecado, com uma marcha alada e a
crescente velocidade, conduz para a frente – ou para baixo tão rápido como
quando um cavalo desacostumado do arreio não pode com todas as forças, ser
parado pelo cocheiro, que o precipita ao abismo; não desespereis em nenhum
momento de poder voltar, porque o Deus da paciência tem paciência para perdoar,
e então um pecador deveria normalmente ter paciência para humilhar-se . Não,
nada temais e não desespereis. Aquele que diz “Vinde” está com vocês no caminho
, dele vem a ajuda e o perdão através do caminho do retorno que conduz a ele, e
junto dele há descanso.
Vinde
todos, todos, todos, vocês, junto a ele há descanso; e ele não coloca nenhuma
dificuldade. Ele apenas abre seus braços. E ele não te questiona nada de
antemão, tú que sofres. Ai! Isto fazem os homens íntegros quando desejam ajudar
alguém: verdade que és culpado de tua desgraça, que não tem nada que envergonhar-se?
É tão apressada essa maneira humana de julgar conforme o exterior, segundo o
resultado. Quando um é cortado é outro feito, tens um exterior desequilibrado,
então se julga: ergo ele é um homem mau, quando se é um desgraçado a quem tudo
vai mal no mundo, de modo que não chegou a ser nada, ou também tudo lhe foi de costas,
então se julga: ergo, ele é um homem mau. Ah! É um prazer cruel refinadamente
premeditado, este de querer sentir sua própria retidão, precisamente diante de
quem sofre, interpretando seu sofrimento como um castigo de Deus, de sorte que
mais de uma vez se tem escrúpulos para ajudá-lo. Entretanto, ele não te perguntará
desta maneira, ele não será teu benfeitor de maneira tão desapiedada. E se tens
consciência de ser um pecador! Ele não te perguntará sobre isso, não desejará
quebrar a cana envergada, mas sim te levantará, se confias nele; ele não te
colocará simplesmente à frente por meio do contraste; entretanto, se tem fora
de si, de sorte a fazer teu pecado parecer mais horrível, ele oferecerá refúgio
para junto de si, e da mesma forma que estejas oculto nele, ocultará ele os
teus pecados. Pois ele é amigo dos pecadores. Quando se trata de um pecador,
não ficará simplesmente parado, para abrir seus braços e dizer: “Vinde!”; não,
e então permanece em pé e espera como esperava o pai do filho pródigo, ou nem
sequer permanece em pé e espera, mas se põe a caminho para buscar-te, como
busca o pastor a ovelha perdida, como a mulher a dracma perdida. Ele se coloca
à caminho, ou na verdade, não se coloca, pois já tem caminho infinitamente mais
que nenhum pastor e nenhuma mulher. Ele tem caminhado cabalmente o caminho
infinitamente extenso que vai de ser Deus a tornar-se homem. O que caminhou
para buscar os pecadores!