sábado, 18 de julho de 2015

O Que Significa Filosofar?



Para a maioria das pessoas, habituadas com uma longa rotina de trabalho, o cuidado dos filhos e pagamento de contas que vencem todo mês, viver tem um sentido irremediavelmente muito prático. Sendo assim, a imagem do homem reflexivo, cheio de questões metodológicas, intuitivas e metafísicas não pode ser interpretada de outro modo senão como puro luxo do pensamento, produto de uma classe abastada e que inevitavelmente corresponderia a seus interesses. Há uma imagem burguesa da filosofia, mas há também, por parte de todo aquele que cultiva essa imagem, uma rejeição a ela, e desse modo um repúdio contemporâneo do que propriamente significaria filosofar. Culturalmente tornou-se lugar comum entender o filósofo como aquele indivíduo sem nenhum futuro específico. Que escolheu buscar uma incerta sabedoria numa infinidade de autores e livros ao invés de trabalhar duro para construir alguma coisa concreta e certa na vida. A história se repete e podemos reconhecer esse impasse na própria fundação da filosofia tal como a conhecemos hoje. Sócrates foi alguém convencido de que o sentido das coisas estava para além de suas práticas, incomodando os homens de sua época tanto quanto incomodaria os homens de hoje que vivem da mesma maneira. E acabou condenado a morte por isso.


O melhor filósofo é a criança, pois a um adulto muito chato, que vive a questionar e a demonstrar as limitações da utilidade, basta apenas que os outros homens o matem. veja como são as coisas: as primeiras indagações de uma criança são "O Que é?", nós adultos respondemos " O que é?" com " Pra que serve?".. É assim que nós ouvimos a pergunta da criança. Ela pergunta uma coisa e nós respondemos com outra. Isso é fruto de uma educação, de uma produção de consciência. nós aprendemos a substituir " O que é?" com o "Pra que serve?" Durante toda a nossa a vida adulta todas as respostas vêm da utilidade das coisas. Mas ai envelhecemos, e quando isso acontece, a utilidade já não dá mais conta. É quando voltamos a questionar como uma criança.

É na infância e na velhice que descobrimos que a utilidade não dá conta de explicar o mundo. E constatamos também com isso que o homem, ao adotar a utilidade como fundamento do sentido, se recusa a ser muito jovem ou muito velho. Ele quer ser adulto para todo o sempre, onde julga ter a força da juventude e certa maturidade da velhice, o que constitui um equívoco, justamente porque inevitavelmente assim como foi jovem, terá de ser velho e se confrontar com a pergunta “O Que realmente significa a minha vida?” muito além do que eu faço com ela. O filósofo poderia ser reconhecido com alguém obcecado por esse questionamento de modo a torna-lo a tarefa de toda uma vida.  

É nesse sentido que filosofar também significa incomodar, promover um certo constrangimento. E em tais condições a vida do filósofo é importante para estabelecer o peso de sua provocação. É certo que alguns filósofos não precisavam trabalhar, outros, que se recusaram a fazê-lo e outros ainda que gastaram muito tempo de suas vidas em fábricas, polindo lentes, cultivando a terra. Isso tudo interfere no pensamento que produzem e na inquietação que promovem entre seus contemporâneos. Se filosofar é provocar, consiste portanto, em promover certa distância sofrida, por isso difícil de aceitar, entre aquilo que somos com aquilo que fazemos.

Podemos negar ou afirmar essa distância.
Negando, apenas duas posturas são possíveis: o quietismo, entendendo a vida comodamente como um destino bom ou ruim, onde questionar torna-se uma coisa supérflua e inútil ou por não podermos separar o que somos do que fazemos podemos escolher quem seremos pelo que fazemos. Entretanto, para que isso ocorra é preciso haver certa distância, é preciso uma consciência da liberdade que temos em criar. Há portanto uma integração entre pensamento e ação, e enquanto o primeiro prefere trabalhar do que pensar, importando-se com lucros e negócios, o segundo escolhe trabalhar pensando. O primeiro está para além do exercício filosófico e se prendeu nas coisas mesmas, o segundo por outro lado, poderia ser interpretado como um filósofo materialista.

Por fim, há o filósofo que defende radicalmente uma certa distância entre aquilo que somos daquilo que fazemos, contestando a relação entre utilidade e sentido. As consequências são bem fáceis de prever: o total isolamento da vida pública mesmo inserido nela tal como o próprio Sócrates ou um Diógenes. Há portanto, uma certa postura idealista e ascética nesse filósofo: de que apegar-se às coisas, o mínimo que seja, constituiria o início de um processo de retorno a uma ilusão. A filosofia que fazem não é nada material, contudo, não pode ser adequada como produto do simples tédio. Esse tipo de filósofo está mais para adequado a um irônico. Se recusa a trabalhar a matéria para aperfeiçoar o espírito na busca da verdade, e por isso, tornam-se párias sociais, marginalizados. Algo muito diferente do que não ter a necessidade de trabalhar, entretanto, foi por esse viés que a filosofia ganhou o estereótipo de vocação burguesa.

O problema do filósofo atual, portanto, não consiste mais em promover certa inquietação social, mas sim, em tentar provocar outro filósofo. O discurso torna-se vazio por mais entusiasta que seja.        
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